quarta-feira, dezembro 17, 2008

SERÁ A PAZ UMA ILUSÃO?

Viver de acordo com os princípios da Paz e da não violência não é tão simples como possa parecer.
Não agredir ninguém ou ser contra conflitos e guerras não significa ser-se uma pessoa pacífica e não violenta. De facto, são incontáveis os actos que cabem na categoria de comportamentos violentos e que cometemos diariamente, sem que deles tenhamos consciência, sobretudo porque vivemos numa sociedade também ela construída sobre princípios que têm implícita alguma forma de violência.
Com base nesta análise dos comportamentos humanos, Arun Gandhi tentou explicar, na conferência “Será a Paz uma ilusão?”, porque é tão difícil, desde logo, entender o verdadeiro sentido desta palavra e pô-la em prática no dia-a-dia, em todos os aspectos da vida.
Para o neto de Mahatma Gandhi, a Paz é, de facto, uma ilusão, porque, como afirmou, “os nossos corações estão cheios de raiva e enquanto não formos capazes de criar a Paz dentro de nós mesmos, não seremos capazes de a levar aos outros”. E, lembrando Gandhi, concluiu: “como dizia o meu avô, para mudarmos o mundo, temos que ser nós mesmos a mudança, ela tem que começar em nós.”
Nascido na África do Sul, perto de Durban, Arun Gandhi passou alguns anos da sua adolescência como avô e essa vivência marcou e transformou a sua vida, que dedicou inteiramente a pôr em prática os ensinamentos que colheu desses anos.
Hoje, no Novotel Vermar, perante as muitas pessoas que tiveram o privilégio de o ouvir, Arun Gandhi recorreu a histórias simples de episódios da sua vida, para transmitir princípios e conceitos que só na sua aparência se revestem de simplicidade. Com o público procurou partilhar uma filosofia de vida que tem como objectivo o combate à violência latente em cada um de nós. E aqui violência não se confunde com crueldade física ou morte, porque, para Arun Gandhi, “nós não somos seres naturalmente cruéis e capazes de matar, porque se assim fosse, não seriam necessárias as academias do exército e outros locais onde as pessoas aprendem a pegar em armas.” A violência pode estar presente no mais insignificante dos actos, como naquele dia em que ele, ainda com 13 anos, quando regressava a casa da escola, decidiu deitar fora o resto de um lápis, que ainda usava, mas que achava que estava a ficar demasiado pequeno. Quando pediu um novo ao avô, este submeteu-o a um rigoroso questionário sobre os motivos que o tinham levado a deitar fora o lápis e mandou-o para a rua, nessa noite, com uma lanterna, para o procurar, tarefa na qual perdeu mais de uma hora. Como explicou, Arun Gandhi não compreendia então os motivos do avô e não via qual a razão de tanta confusão à volta de um pedaço de lápis, mas quando o achou e levou a Mahatma Gandhi, este fê-lo compreender que o seu acto se revestia de duas formas de violência: violência contra a natureza, porque para fazer o lápis tinham sido usados recursos naturais, e violência contra os que nada tinham, uma vez que ele não devia assumir que, só porque tinha posses, se podia dar ao luxo de deitar fora as coisas que ainda tinham utilidade.
E por aqui se vê como tantos comportamentos humanos podem cair na classificação de acto violento. Por isso, com o avô, Arun aprendeu a fazer um exercício: a árvore da violência. Uma árvore desenhada por ele e cujos ramos ele devia compor no fim de cada dia, analisando os seus actos violentos. Nos primeiros dias, revelou: “dei-me conta que a minha árvore se espalhava pelas paredes do meu quarto, tal era a quantidade de acções e pensamentos violentos que enchiam o meu dia-a-dia”.
Pelo controlo de actos e pensamentos violentos, pela compreensão e respeito pelos outros e por si próprio e pela aceitação da diferença passa a construção de um Mundo mais pacífico, mais tolerante. A lição de Gandhi é profunda e sabe bem ouvir, sobretudo quando se ouve com o coração.
E Arun Gandhi, hoje com 75 anos, depois de todas as lições do seu avô e da forma como se construiu enquanto ser humano, continua a fazer o antigo exercício da “árvore da violência”? Ele confessa que sim. E a pergunta é inevitável: e continua a ter ramos essa árvore? Ele, com um sorriso benévolo, admite com uma desarmante humildade que sim. É então, impossível não nos questionarmos: se ele não conseguiu, como vamos nós conseguir?

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